Aula 1: A natureza da Teologia
Sejam bem-vindos! Esta é a aula inaugural do curso de Teologia e marca o início do primeiro módulo: Introdução à Teologia. Este módulo é composto por aulas, e em cada uma delas é possível acompanhar os objetivos específicos e os conteúdos que serão apresentados
1. A Raiz Etimológica e Definições
A palavra Teologia deriva do grego Theos (Deus) e Logos (discurso, tratado ou estudo). É importante observar que o termo Theos possui correlação com Zeus, divindade do panteão grego, demonstrando que o vocábulo pode designar tanto divindades mitológicas quanto o Deus verdadeiro — o Deus de Abraão, Isaque e Jacó, revelado em Jesus Cristo, que é reconhecido como verdadeiro Deus e verdadeiro homem.
A teologia é uma atividade própria daqueles que creem. O termo “crente” deve ser entendido aqui como aquele que crê. Nesse sentido, a teologia é a atividade dos crentes que buscam compreender mais profundamente a Palavra de Deus e expô-la de maneira ordenada e sistemática, com base na Tradição, na Sagrada Escritura e na razão humana iluminada pela fé. A teologia é, portanto, a ciência de Deus e de tudo aquilo que a Ele se refere
2. Os 3 anúncios da fé
No anúncio da fé, podem-se distinguir três grandes etapas. A primeira é o querigma, que consiste no anúncio fundamental da salvação em Jesus Cristo, do amor de Deus e do convite à conversão. A Sagrada Escritura afirma que todos pecaram e estão privados da glória de Deus (cf. Romanos 3). Diante da condição pecaminosa do ser humano, torna-se evidente a necessidade de um Salvador, que é Cristo. O querigma responde à necessidade humana mais fundamental: a salvação.
A segunda etapa é a catequese, destinada àqueles que já acolheram a fé e receberam os sacramentos iniciais, e que desejam aprofundar o conteúdo daquilo em que acredita. A catequese é, portanto, um aprofundamento sistemático da fé recebida.
A terceira etapa é a teologia, que representa um nível mais aprofundado e científico da reflexão sobre a fé. A teologia é uma ciência, entendida como a ciência de Deus e das realidades que a Ele se referem. Essa ciência parte daquilo que Deus revelou sobre si mesmo, razão pela qual se fundamenta na Tradição, na Sagrada Escritura e na razão humana iluminada pela fé.
3. A Precedência da Tradição sobre a Escritura
A ordem desses fundamentos não é casual. Primeiramente vem a Tradição e, depois, a Escritura. Antes de a Palavra de Deus ser colocada por escrito, ela foi vivida, transmitida e celebrada. O povo de Israel viveu os acontecimentos salvíficos — como a travessia do Mar Vermelho e o cântico de Moisés — antes que esses fatos fossem registrados por escrito, muitas vezes séculos depois. A Tradição é essa transmissão viva, de geração em geração, antes de se tornar texto escrito.
O mesmo ocorreu no cristianismo, Jesus Cristo não escreveu nenhum texto. Durante anos, a fé cristã foi transmitida oralmente. Os primeiros escritos do Novo Testamento não foram os Evangelhos, mas, muito provavelmente, as Cartas aos Tessalonicenses, datadas por alguns estudiosos entre os anos 48 e 52. Considerando que a morte e ressurreição de Jesus ocorreram por volta do ano 30, esses textos surgem cerca de 15 a 20 anos depois. Os Evangelhos canônicos, especialmente o de Marcos, foram escritos mais tarde, entre os anos 65 e 70. Assim, os primeiros cristãos viveram por décadas sem o Novo Testamento escrito, sustentados pela Tradição.
No seio da Tradição surge a Sagrada Escritura. À medida que a Igreja se organiza, estabelece normas e formulam doutrinas que devem ser cridas pelos fiéis, desenvolve-se também o Magistério da Igreja, exercido inicialmente pelos apóstolos e, posteriormente, por seus sucessores, os bispos, tendo o Papa — sucessor do apóstolo Pedro — como cabeça.
4. Evolução Histórica do Conceito de Teologia
A teologia, enquanto ciência, pressupõe a fé e também a capacidade da razão. Trata-se de uma ciência da salvação, elaborada com critérios racionais. A partir dos dados revelados, busca-se compreendê-los racionalmente, sem abandonar a fé. Por isso, o estudo da filosofia é fundamental para uma boa teologia, pois aprender a pensar corretamente contribui para uma reflexão teológica sólida.
Pode-se distinguir entre uma teologia espontânea, que é o desenvolvimento natural e não sistemático da fé presente em todos os crentes, e a teologia científica, que é reflexiva, sistemática e utiliza linguagem técnica. É esta última que caracteriza o estudo teológico acadêmico.
Na Antiguidade, o termo teologia era usado para designar os relatos mitológicos dos poetas como Homero e Hesíodo.
- Platão, teologia era sinônimo de mitologia.
- Aristóteles, correspondia à metafísica, a filosofia primeira que busca a causa última de todas as coisas. Os autores cristãos apropriaram-se desse termo e lhe deram novo significado.
- São Justino, no século II, entende a teologia como a interpretação correta das Escrituras.
- Orígenes, define a teologia como a doutrina reta sobre Deus e sobre a salvação.
- Tertuliano a concebe como ciência cristã.
- São Basílio, distingue entre teologia, que trata de Deus em si mesmo, e economia, que trata da ação salvífica de Deus na história, dando origem à expressão “economia da salvação”.
- Pedro Abelardo, no século XII, é o primeiro a utilizar o termo teologia no sentido moderno, como um saber organizado em partes distintas.
- Santo Tomás de Aquino, no século XIII, define a teologia como a análise racional dos dados revelados à luz da Escritura e da Tradição. A partir dele, a teologia passa a ser entendida como um conhecimento sistemático e discursivo sobre Deus e os mistérios revelados.
5. Fé, Razão e o Limite do Conhecimento
A teologia expressa a harmonia entre fé e razão, o encontro entre Jerusalém e Atenas. O prólogo do Evangelho de São João ilustra esse encontro ao unir o conceito filosófico de arché (princípio) ao Logos (Palavra). Assim, o dabar hebraico encontra o logos grego, permitindo que o Deus vivo se revele utilizando instrumentos da filosofia.
A razão humana, embora ferida pelo pecado, não está totalmente corrompida. Por isso, pode ser utilizada para compreender os dados da revelação. A teologia é a ciência na qual a razão do crente, guiada pela fé, esforça-se por compreender os mistérios revelados e suas implicações para a existência humana.
Para aprofundamento, recomenda-se a leitura do documento da Congregação para a Doutrina da Fé, de 1990, intitulado Instrução sobre a vocação eclesial do teólogo (Donum Veritatis). Nele se afirma que a teologia torna a fé comunicável e nasce tanto do amor à verdade quanto do amor a Deus.
Sem a fé, a teologia não é possível; mas sem a razão, ela também não se sustenta. A reflexão teológica conduz progressivamente ao mistério, onde o conhecimento racional dá lugar ao assombro diante do infinito de Deus. Como afirmou Santo Tomás de Aquino, tudo o que o ser humano escreve sobre Deus é apenas uma pálida aproximação diante da grandeza do mistério divino.
Esta aula marca apenas o início do caminho. Muitos horizontes ainda se abrirão ao longo do estudo da teologia. Trata-se apenas do começo. Até a próxima aula.